Outro dia quando me aproximei do Copacabana Palace, ouvi os gritos de jovens, que tentavam mobilizar o cantor canadense Justin Bieber a aparecer na sacada do hotel e quando finalmente ele surgiu fiquei até arrepiado com o imenso grau de euforia do público.
Fiquei tão tocado com a vibração que comecei a me investigar para saber o porquê deste meu envolvimento com algo que não passava pelas minhas preferências. De súbito voltei aos meus exatos cinco anos, quando sentado nos ombros do meu pai, diante da mesma sacada vi a atriz francesa Brigitte Bardot.
A memória do delírio de todos e dos fotógrafos permaneceu intacta em mim e a partir dali, herdei do meu pai o ídolo Bardot. Passei muitos e muitos anos guardando revistas e ainda guardo os livros que reúnem coletânea de fotos e os dois volumes da corajosa autobiografia, onde fala com verdade sobre a bipolaridade e o problema com o álcool que precipitou a perda do viço que nela fluía com tanta sensualidade.
Enquanto finalizava o percurso da corrida para entrar na minha rua praticamente ao lado do Copa, um surfista na bicicleta disse alto em minha direção: “Nossa que histeria, já não basta ver o show?”. Sorri sem dizer que eu estava naquela hora imerso em minha histeria de outrora, mais precisamente no ano de 1964.
Ali, naquele instante, me inspirei no tema desta crônica ao pensar que nos construímos através das referências que definem nossas preferências e, portanto nossas identificações.
Nossas identidades se firmam através das introjeções que fazemos das ideias e dos comportamentos na maioria das vezes ocorridas de modo inconsciente. Herdamos a cultura de nossa época que se expressa através da nossa forma de falar, de vestir e de refletir a vida.
Ninguém fala do mesmo modo que no século 19 e nem tampouco reflete as situações com os mesmos padrões morais e psicológicos daquela época.
Somos frutos das sementes contidas nas frutas ideológicas que ingerimos.
Como afirma o psicanalista Jorge Forbes “Nascemos desbussolados”, e somos norteados ao longo da vida através da assimilação vertical que realizamos sobre aqueles que consideramos superiores ou que elegemos como referência em algo.
“O sujeito humano se constitui por meio de outros sujeitos humanos”: esta é uma noção fundamental para a qual Freud atraiu a atenção. A respeito disso a psicanalista Elisa Cintra afirma que esse processo se realiza “Não apenas no momento do surgimento, mas ao longo de toda a vida a pessoa se constrói e se reconstrói, ou se destrói e se fragmenta, a partir das inúmeras influências que recebe dos outros, que vão sendo metabolizadas e assimiladas ou que, por outro lado, podem constituir um eu”.
As comunidades tribais, ancestrais em milênios a esta ideia freudiana, intuitivamente já elegiam os totens que se tornavam as referências quantos aos modos de ser e de pensar e que, portanto deveriam ser assimilados para a formação identitária do eu individual. Nas mitologias grega encontramos as narrativas épicas que eram formas indutoras de reflexão aos modos de se constituir como pessoa para a trajetória existencial...
Pensamos no “Si Mesmo” através das narrativas... A pergunta tão comum quando somos pequenos “O que você vai ser quando crescer?” já reflete esta indução para se olhar um Outro posicionado numa hierarquia superior para ser percebido como uma referência para a construção do Ser do futuro.
Fui assistir o musical biográfico “Cazuza - Pro dia nascer feliz.”, dirigido por João Fonseca, do mesmo de Tim Maia, que é emocionante.
Tive muitas identificações em relação ao meu modo de ser no que tange a vontade de criar e expressar palavras para se pensar e denunciar as inglórias da vida não refletida...
Tem uma música do Cazuza que fez muito sucesso, intitulada Ideologia em que diz “Meus inimigos estão no poder... Ideologia... Eu quero uma para viver...”.
De fato o mundo perdeu as grandes verticalidades de ideias, os ídolos são efêmeros na existência, os pensamentos se esparramaram nos excessos. Tudo no muito se enfraqueceu e as pessoas estão perdidas sem grandes narrativas para se balizarem nas autodefinições.
Para se definir como identidade precisa se saber mais e se projetar com bussolas precisas. Se o mundo está diluído e enfraquecido nas ideologias, uma pessoa pode fazer uma contracorrente e começar a prestar atenção nas premissas adotadas, nas referências eleitas. Há que se tornar mais responsável em observar a qualidade do que elege como positivo e formador de si.
Sócrates, o filosofo grego, às vezes andava pelas ruas de Atenas onde havia o comércio e os vendedores chegavam à porta e perguntavam-no: “O senhor deseja alguma coisa?” e ele os respondia: “ Não, estou apenas observando quanta coisa existe de que eu não preciso para ser feliz”. Esta passagem ritualística da vida dele foi chamada de Passeio Socrático.
Esse passeio filosófico também deve ser realizado para avaliar quais premissas foram oferecidas e quais delas você as adotou, às vezes sem mesmo perceber este movimento, mas que estão sendo negativas na sua formação de habilidades para você viver bem.
Enquanto estamos vivos a nossa presença no mundo é fundamental e conforme afirma o filósofo algeriano que viveu grande parte da vida em Paris, Albert Camus, “Temos que aproveitar o mundo de maneira que sejamos felizes”.
Para vivermos esta filosofia de Camus, temos que construir alicerces de pensamentos que nos formem e forneçam aptidões e habilidades para se viver com boas destinações o destino que se apresenta.
Tenho uma cartografia psicológica que constitui o meu modo de ser e portanto é essência das minhas reflexões para que eu sob o efeito delas “EXISTA”, pois mais do que sobreviver o meu enfoque é a condição de existir bem enquanto permanência.
Para eu hoje em dia gritar como fã diante da sacada do Copacabana Palace, teria que estar nela alguns pensadores, alguns atores, algumas pessoas que de um modo significante souberam se conduzir ou souberam pensar a existência e que deixaram para nós um legado de pensamentos que me fornecem “Uma Ideologia Para Eu Viver”. Dentre tantos me faço fã de:
- Nietzsche em “Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares durante muito tempo para um abismo, o abismo, olha para dentro de ti”.
- Freud com a norteadora ideia que temos que desenvolver a capacidade de se sustentar em nossas opções.
- Lacan ao sinalizar que a transformação sempre ocorre quando assimilamos as ideias de um Sujeito Suposto Saber e através desse processo psíquico nos perfazemos no Saber Sabido, Sabedor em Ser.
Seria também fã da sacada do Copa de:
- Clarice Lispector em “Ao acordar vou correndo limpar a poeira da palavra amor.”.
- De minha mãe Virginia com afirmação que “Todo dia é dia de começar e Recomeçar – Nunca é cedo! Nunca é tarde para se estabelecer o pacto com a renovação.”.
- De meu pai Paulo com a orientação: “Meu filho, o mundo é um enorme varejo de tudo. Busque pesquisar a felicidade em todas as formas”.
- Da ideia de que não devemos estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ser dividido é ser fracionado e, portanto enfraquecido.
- Também aplaudiria a ideia que devemos perdoar o destino para que possamos caminhar livres do peso dos ressentimentos e com isso possamos nos adentrar nos futuros com a alma sem excesso de peso.
Se Cazuza também surgisse no balcão eu também aplaudiria, como aplaudi muito o ator Emílio Dantas que o personifica de modo impressionante no musical... Pois precisamos de Ideologias para se Viver Bem...
Afinal, você ampara os seus sentimentos em quais ideologias?
Cuidado, algumas são assassinas e destroem.
Seja dono de seus atos, seja dono de si e tenha propriedades sobre os conteúdos dos pensamentos que norteiam suas respostas às situações.
Seja um Bom Bussolado.
Como disse Sartre. “Não importa o que os outros fazem da gente. Mas o que a gente faz do que os outros fazem da gente”.
Ideias boas nos fortalecem nos fazem protegidos contra as roeduras...
Perfazem psiquismos sólidos como madeiras que cupim não rói.
Ouça, no link abaixo, a marchinha que recebi de uma amiga e postei para fechar esta crônica. Certamente ela fez parte dos bailes de carnaval do Copa...
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