domingo, 6 de novembro de 2022

O Direito de Existir

 O Direito de Existir




Quando eu era pequeno havia uma novela que se chamava “O Direito de Nascer” e este nome me veio quando soube outro dia de um caso sobre um homem de quarenta e dois anos que impossibilitado por si mesmo e por medo do preconceito feroz de assumir o seu desejo, sua verdade afetiva e sexual de modo aberto e profundo, mergulhou gradativamente num processo de autodestruição através do álcool que está minando todos os setores da vida dele. Ele aboliu o direito de nascer para a vida que nasceu, lógico tendo como componente a cultura por vezes opressora.

Lamentei muito esta história e fiquei a pensar sobre a dificuldade humana em impor limites, em assumir condições, em dizer não aos excessos de solicitações, do “envergonhamento” para expressar opiniões, e sobretudo, na culpa de arrancar determinadas máscaras.

De fato, desde que nascemos precisamos que nos desejem para que sejamos bem recebidos na vida. Esta condição de dependência do outro nos coloca de imediato na posição de submissão, de sedução, de busca de aprovação e de contínuas provas de acolhimento.

É fundamental que você e todas as pessoas saibam que as experiências de sermos respeitados nas diferenças e nas opiniões trazem para nós o progressivo registro em nossa estrutura, que podemos de certa forma contrariar ou mesmo podemos deixar emergir determinadas singularidades em nossas vidas cotidianas. Como se o mundo nos dissesse através do respeito nos nossos primeiros tempos de existência, que somos amados como sujeitos, singulares.

Essa vivência liberta a pessoa para o direito de uma série de expressões, que vai desde o de escolher um sabor de sorvete até definir uma profissão ou estilo de vida e até o modo de viver afetos.

A experiência do olhar respeitoso às singularidades suscita a liberdade para se expressar e conviver sem constrangimentos.

Somos semelhantes e isto envolve as diferenças, pois se não fosse assim a afirmativa seria : somos perfeitamente iguais.

Uma pessoa que foi isenta dessa individualidade, que foi anulada em determinados direitos, até por uma cultura e moral retrógrada, cresce envergonhada até mesmo por ocupar um espaço no elevador. Convive com uma secreta sensação de inferioridade que pode passar pelos complexos. Constrói-se espelho do mundo que a cerca.

Às vezes a falta de um pai amoroso, ou mesmo a presença excessivamente autoritária e retrógrada esmaga a sensação de direitos e faz expandir apenas a noção de deveres. Torna-se uma pessoa colonizada, que pode responder a esta pressão com uma saída negativa, se tornando procrastinador e encolhido no mundo pessoal.

Há também uma resposta a estes quadros através de uma dependência e submissão como o caso de uma mulher que devido à dificuldade de dizer não, se deixava ser devorada e na impossibilidade de se colocar numa equidistância acabava por minar a convivência com as pessoas que se aproximavam dela.



Muitas pessoas destroem o que desejam por não saberem conviver através da noção dos espaços que cada um deve ter. Já que não sabem expressar o que as incomoda, rompem e se distanciam carregando  permanentes dificuldades. 

Sabe-se hoje, que algumas pessoas nascem com predisposição à chamada “Preocupação empática excessiva”, onde os valores dos outros ou necessidades são sempre vistas como próprias, como se houvesse um espelho cujo reflexo do outro se confunde com a própria imagem.

Outro dia num encontro casual, quando ia caminhar,  a filha de uma conhecida me contou que o namorado não ligava para a aparência e, portanto, nunca se vestia de forma apropriada. Já tinha ido até de sandália a casamento. Não adiantava falar, pois odiava ser criticado.

O que parece isso?

 Uma evidente forma de oposição a alguma autoridade extrema vivenciada em sua criação. Pulou da opressão para a liberdade através da rebeldia agressiva. Tornou-se igualmente autoritário. Continua preso, pois quem busca sempre fugir é porque ainda está acorrentado.

Como é importante se compreender e tomar consciência há que está ainda aprisionado através de uma culpa ou constrangimento em ser.

Saiba que para existir e buscar se afirmar, se faz desnecessário abolir todas as regras, códigos ou pedidos.

Incorporamos padrões nos nossos modos de ser. A modificação de hábitos, até os mais arraigados, pode ser realizada, afinal somos neuro plásticos. 

O hábito ou o traço de uma personalidade é um comportamento adquirido por alguma razão. No entanto, pode-se tomar consciência do que de negativo se está fazendo consigo mesmo.

Entenda o que se passa na sua cabeça e modifique o que destrói o seu prazer cotidiano que a torna uma pessoa constrangida em ser a própria pele, a própria essência. 

Muitas pessoas criam seus filhos como projetos pré determinados do que devem ser quando crescerem…E se não correspondem, uma batalha narcisista é travada…A batalha de transformar o outro numa projeção de si…Isto é amor? Ou poderíamos dizer um amor envenenado pelo obtuso desejo de ser através do outro…

Quantos se submetem a solicitações perversas e a total falta de respeito.



Nietzsche tem uma indagação que sempre recorro ao avaliar algum aspecto da minha vida ou opções: “Você vive hoje uma vida em que gostaria de viver por toda a eternidade?” e complementa em outro texto: “Nossa dor vem da distância entre aquilo que somos e o que idealizamos 

Tudo na vida é de fato uma questão de postura diante de si mesmo."

Quando eu tinha treze anos seguia um curso de inglês no Oxford. Uma vez foi passado como exercício a construção de um texto. Escrevi um diálogo comigo mesmo em inglês. Decidi por essa forma por achar que se eu já pensava em outro idioma era porque dominava os vocabulários e os verbos que deveriam ser aprendidos. 

Depois da leitura na sala, a professora me deu zero. Eu tive um choque, pois não havia erro gramatical algum. Perguntei o porquê e ela simplesmente me respondeu que ninguém conversava consigo mesmo. Ela abusou da autoridade.

Abuso, sobretudo ignorante, pois estava ali para corrigir a matéria e não tinha o direito de podar a criatividade.

Ao invés de me sentir condenado, falei com os meus pais e pedi para sair. Lógico que tive o total apoio. 

Saí daquele curso na hora... Disse não àquela autoridade neurótica.

Penso que a criatividade daquela professora estava destruída e que ela estava impedida de encontrar a si mesma.

Sem direito a pensar, sem direito a existir.

Quantos podam a existência através das inibições, dos complexos e das submissões inseguras. 

Aprender a dizer não é uma questão de respeito à vida e ao Direito de Nascer e Renascer.

Converse consigo mesmo em inglês, francês português, só não converse diante daquela minha professora!

Quando pensamos através dos bons discernimentos passamos a abrir grandes possibilidades para existirmos bem. 

Grande ironia do destino quando penso na professora e na pessoa que me tornei... Sou um contínuo pensante.

Esta é a minha ideia, nesta semana, para se reinventar a vida.





Ao invés de se destruir pelos medos, deve-se construir sempre a ideia de que temos o “Direito de Nascer”, para que se possa responder a grande questão "Nietzschiana" desta forma:

A vida que estou construindo eu posso vivê-la em toda a eternidade?



Manoel Thomaz Carneiro

Psicanalista/Psicofísico


Créditos das Imagens: Patricia Secco (@patriciaseccoarte) & GettyImages