Ao entrar num supermercado em Ipanema, me deparei com uma montanha de panetones. A dois meses do natal já estavam lá.
Diz a lenda que este pão foi criado, no século XVII, por um padeiro italiano chamado Toni para impressionar o pai da menina que ele estava apaixonado. Foi chamado de “Pan di Toni” e é uma das minhas tentações.
Uma senhora abarrotava dois carrinhos com esta delícia italiana e de tanto que já tinha empilhado, acabou por deixar cair algumas caixas no chão. Vendo a confusão decidi ajuda-la, mas não consegui me segurar e perguntei “Isso tudo já é para o Natal? Ela me respondeu animadamente: “Já estou me organizando, senão minha vida fica uma loucura”. Continuei com minha ajuda intrometida: “Mas se é para daqui a dois meses é bom ver o prazo de validade. Nunca se sabe”. Como se eu tivesse dado uma ducha fria naquela eficiência toda, ela olhou aquela montanha de panetones que havia pego e suspirou irritada com a dúvida que eu acabara de plantar. Senti que eu tinha acrescido nela um dilema que a obsessão não iria deixa-la abandonar. Tinha a partir de então, mais este aspecto agregado aquela tarefa que sem minha interferência estaria quase terminada. Com uma vontade de pegar um para mim, saí de fininho e desejei quase como desculpas “Feliz Natal”.
Ao sair de lá, entrei numa galeria para comprar um queijo do Serro e já na entrada da loja uma árvore de natal.
Quantas datas ainda temos para viver até a chegada do 25 natalino?
Quantas coisas ainda podemos realizar até lá?
Sete fins de semana, oito semanas e várias viagens cabem neste período, muitos jantares, muitos teatros, muitos jornais a serem lidos, pode-se perder pelo menos uns seis quilos, pode-se ter muitos momentos de amor, pode-se tomar ainda vinhos, mudar radicalmente de vida, fazer uma reforma na casa. Cabem muitas vidas neste período.
Portanto, encurta-lo é desperdiça-lo e muito.
Através do ritmo vivenciado pela indução, pulamos a primavera para já enfeitar a festa do verão.
Temos na vida o tempo objetivo que é aquele mensurável no relógio e no calendário... Através dele a entrada para o novo ano é daqui a dois meses. Mas temos o tempo subjetivo que é o vivido, e corresponde a uma experiência individual e existencial. Aí o Natal pode ser hoje, o Ano Novo amanhã e os ontens podem continuar sem abertura para acontecer dentro de nós.
Quantos estão com a sensação que o tempo está mais veloz?
A medida dele continua sendo a mesma, os relógios marcam do mesmo modo há séculos a passagem das horas. As marcações subjetivas do tempo é que foram alteradas pelo modo atual de se viver.
A senhora que já compra o seu Natal, quando chegar lá irá falar do fim de ano, e no fim falará do carnaval e nele irá organizar a Páscoa. E dessa maneira, se condiciona a viver o tempo na medida acelerada e sua mente subjetiva irá viver no amanhã sem capacidade para perceber o hoje. Por isso tem-se a sensação que o tempo acelerou.
O Eu de uma pessoa que não está situada no agora, se torna impedido de se alimentar das coisas presentes, pois está no imaginário do porvir. Sem estar situado no hoje, ele avança para gerenciar os pensamentos orientadores da situação futura.
Desse modo, as coisas acontecem fora mas não conseguem encontrar abertura para acontecerem dentro.
Fui a um aniversário e estavam quase todos com seus relógios internos adiantados, no controle do tempo, pois uns iriam viajar, outros desejavam ir ao cinema, outro queria encontrar um amigo. Quase todos já estavam onde não estavam.
Nossos pensamentos ficaram educados para este mundo de milhões de informações e de atividades. Conseguir dar conta de tudo é instigante, porque gera em nós uma sensação de potência. Em cada agora no mundo contemporâneo as pessoas se ocupam em gerar vários amanhãs. O psicoterapeuta americano Jonathan Alpert, sediado em Nova Iorque e que tem um grande percentual de pacientes acelerados e ansiosos de Wall Street, falou que seu consultório não apresenta soluções mágicas, mas é um trabalho de implementar novos comportamentos, novas percepções quanto ao modo de viver para potencializar a sensação de estar vivo e presente na vida... As pessoas investem em tantas coisas, mas se tornaram perdulárias do tempo.
Vi num Fashion Week a Gisele Bundchen falando numa entrevista que em muitas ocasiões corre tanto para conseguir realizar o que precisa, que às vezes tem a sensação de não estar totalmente presente aonde está. Ela sofria do que hoje se denomina “Ansiedade da Ausência de Si”. Você já não sentiu isso? Está tão acelerado que não está no lugar que está, como se a alma estivesse ainda girando por aí, se debatendo, mesmo estando você já sentado?
Gisele, diz que aprendeu a dar uma pausa, quando chega nos lugares com essa agitação. Faz um exercício rápido de respiração: de olhos abertos inspira forte e solta o ar. Falou que esse exercício dava a ela a sensação de estar viva. Coincidentemente sempre fiz isto. Quando entro no avião, depois de ter verificado algumas vezes passagem, passaporte, colocado bagagem de mão na esteira do raio-X que apita, tiro o cinto, põe o cinto, guarda tudo de novo passagem, passaporte, seguro casaco com um lado e com outro, seguro quatro coisas e quando finalmente me lanço esbaforido no assento, faço logo uma chamada mental: “Presta Atenção Manoel Neste Momento. Se Situa”. E... depois... inspiro e solto o ar. Isso me traz de volta o meu espírito que continuava na corrida pelo aeroporto com todas as coisas, que até depois nos perguntamos de forma secreta se iremos realmente precisar daquilo tudo que carregamos.
Faço esta chamada de mim toda vez que me sinto sem foco no momento: seja no cinema, no teatro, no meio de uma caminhada... como se chamasse minha alma para o agora. Por isso adoro chegar antes para me ambientar e poder juntar minhas partes e assim me sentir inteiro no lugar. Este é o trabalho de concentração dos artistas antes de se colocarem em cena.
O tempo é impossível de se multiplicar, sua medida objetiva é sempre a mesma. A sensação subjetiva dele está ao nosso alcance. Podemos senti-lo nos escapando, senti-lo mais lento, mais presente, mas de qualquer modo é bom sempre lembrar: que sempre que cada tempo se coloca diante de uma pessoa, ele se apresenta com um irônico sorriso de superioridade, pois sabe que vive sem nós, mas que sem ele... se torna impossível qualquer um viver.
Em busca do tempo perdido... Saudades dos ontens?
Nada disso autorizo em mim. Quando me vejo muito mergulhado no fora daqui, no porvir de um futuro, recorro ao uso do CHEGA. Digo-me o BASTA, tão úteis para tantas coisas e me coloco vigilante às ciladas de estar ausente aos momentos.
Ultimamente tenho tido é Saudades Do Hoje.
Fixado no panetone, preso no amanhã, a procura de um tempo perdido?
Atenção! Assuma o controle.
Chame a si do mesmo modo que chamamos alguém que sentimos estar distante...
Ei... Psiu... Oi... Aonde Está Você?
Por Manoel Thomaz Carneiro