Quando eu era pequeno havia uma novela que se chamava “O Direito de Nascer” e este nome me veio quando soube outro dia de um caso sobre um homem de cinquenta e poucos anos que impossibilitado por si mesmo de assumir o seu desejo, sua verdade afetiva de modo aberto e profundo mergulhou gradativamente num processo de autodestruição através do álcool que está minando todos os setores da vida dele. Ele aboliu o direito de nascer para a vida que nasceu.
Lamentei muito esta história e fiquei a pensar sobre a dificuldade humana em impor limites, em assumir condições, em dizer não aos excessos de solicitações, do “envergonhamento” para expressar opiniões e, sobretudo na culpa de arrancar determinadas máscaras.
De fato desde que nascemos precisamos que nos desejem para que sejamos bem recebidos na vida. Esta condição de dependência do outro nos coloca de imediato na posição de submissão, de sedução, de busca de aprovação e de contínuas provas de acolhimento.
As experiências de sermos respeitados nas diferenças e nas opiniões trazem para nós o progressivo registro em nossa estrutura que podemos de certa forma contrariar ou mesmo podemos deixar emergir determinadas singularidades em nossas vidas cotidianas. Como se o mundo nos dissesse através do respeito nos nossos primeiros tempos de existência, que somos amados como sujeitos, singulares.
Essa vivência liberta a pessoa para o direito de uma série de expressões, que vai desde o de escolher um sabor de sorvete até definir uma profissão ou estilo de vida.
A experiência do olhar respeitoso as singularidades suscita a liberdade para se expressar e conviver sem constrangimentos.
Uma pessoa que foi isenta desta individualidade, que foi anulada em determinados direitos, cresce envergonhada até mesmo de ocupar um espaço no elevador. Convive com uma secreta sensação de inferioridade que pode passar pelos complexos. Constrói-se espelho do mundo que a cerca.
Às vezes a falta de um pai amoroso, ou mesmo a presença excessivamente autoritária esmaga a sensação de direitos e faz expandir apenas a noção de deveres. Torna-se uma pessoa colonizada.
Conheci uma mulher que devido à dificuldade de dizer não, se deixava ser devorada e na impossibilidade de se colocar numa equidistância acabava por minar a convivência com as pessoas que se aproximavam dela.
Muitas pessoas destroem o que desejam por não saberem conviver através da noção dos espaços que cada um deve ter. Já que não sabem expressar o que as incomodam, rompem e se distanciam carregando as permanentes dificuldades.
Sabe-se hoje, que algumas pessoas nascem com predisposição à chamada “Preocupação empática excessiva”, onde os valores dos outros ou necessidades são sempre vistas como próprias, como se houvesse um espelho cujo reflexo do outro se confundisse com a própria imagem.
Outro dia num encontro casual, quando ia correr, a filha de uma conhecida me contou que o namorado não ligava para a aparência e, portanto nunca se vestia de forma apropriada. Já tinha ido até de sandália a casamento. Não adiantava falar, pois odiava ser criticado.
O que parece isso? Uma evidente forma de oposição a alguma autoridade extrema vivenciada em sua criação. Pulou da opressão para a liberdade através da rebeldia agressiva. Tornou-se igualmente autoritário. Continua preso, pois quem busca sempre fugir é porque ainda está acorrentado.
Para existir e buscar se afirmar, se faz desnecessário abolir todas as regras, códigos ou pedidos.
Incorporamos padrões nos nossos modos de ser. A modificação de hábitos, até os mais arraigados, pode ser realizada.
O hábito é um comportamento adquirido por alguma razão. No entanto pode-se tomar consciência do que de negativo se está fazendo consigo mesmo.
Entenda o que se passa na sua cabeça e modifique o que destrói o seu prazer cotidiano.
Quantos se submetem a solicitações perversas e a total falta de respeito.
Nietzsche tem uma indagação que sempre recorro ao avaliar algum aspecto da minha vida ou opções: “Você vive hoje uma vida em que gostaria de viver por toda a eternidade?” e complementa em outro texto: “Nossa dor vem da distância entre aquilo que somos e o que idealizamos ser.”
Recentemente, acompanhei minha mãe, que se chama Virginia, numa palestra testemunho que ela realiza há muitos anos.
Fiquei do lado de fora, pois estava lotado, mas pude ouvir a parte em que ela narra que devido a poliomielite que contraiu quando tinha apenas dez meses e toda a deformação numa das pernas e na coluna que isto ocasionou, minha avó queria que ela fosse freira. Dizia que nenhum homem a olharia naquelas condições e que os médicos afirmavam que se tentasse ter filhos morreria.
Com confiança em si mesma e em seu valor interior que a fez dar descrédito a todos os “nãos” que ouviu, disse sim aos próprios desejos e sonhos. Casou com um homem, de 25 anos, engenheiro de Belo Horizonte, de olhos azuis e teve seis filhos.
Ela está aos 89 anos, lúcida, independente e com a certeza que ela responderia a Nietzsche que esta vida que construiu poderia vive-la todinha na eternidade.
Graças aos “Sins” que ela deu a si mesma e aos “Nãos” que deu a mãe e as descrenças, ela realizou o Direito de Existir e com isso o meu Direito de Nascer.
Tudo na vida é de fato uma questão de postura diante de si mesmo.
Quando eu tinha treze anos seguia um curso de inglês. Uma vez foi passado como exercício a construção de um texto. Escrevi um diálogo comigo mesmo em inglês. Decidi por essa forma por achar que se eu já pensava em outro idioma era porque dominava os vocabulários e os verbos que deveriam ser aprendidos.
Depois da leitura em sala a professora me deu zero. Eu tive um choque, pois não havia erro gramatical algum. Perguntei o porquê e ela simplesmente me respondeu que ninguém conversava consigo mesmo. Ela abusou da autoridade.
Abuso, sobretudo ignorante, pois estava ali para corrigir a matéria e não tinha o direito de podar a criatividade.
Ao invés de me sentir condenado, falei com os meus pais e pedi para sair. Lógico que tive o total apoio.
Saí daquele curso na hora... Disse não àquela autoridade neurótica.
Penso que a criatividade daquela professora estava destruída e que ela estava impedida de encontrar a si mesma.
Sem direito a pensar, sem direito a existir.
Quantos podam a existência através das inibições, dos complexos e das submissões inseguras.
Aprender a dizer não é uma questão de respeito à vida e ao Direito de Nascer e Renascer.
Converse consigo mesmo em inglês, francês português, só não converse diante daquela minha professora!
Quando pensamos através dos bons discernimentos passamos a abrir grandes possibilidades para existirmos bem.
Grande ironia do destino quando penso na professora e na pessoa que me tornei... Sou um contínuo pensante.
Esta é a minha ideia, nesta semana para se reinventar a vida.
O lançamento do livro está mais próximo. Dia de expô-lo no berçário. Afinal ele nasceu.
No Rio de Janeiro, será no dia 11 de junho na Livraria Argumento do Leblon, às 19:00h.
Em São Paulo, no dia 24 de junho na Livraria da Vila JK às 19:00h.
Aos padrinhos deste filho literário, Gisella e Ricardo Amaral o meu muito obrigado, por terem viabilizado o meu livro me oferecendo o Direito dele Existir.
Ao invés de se destruir pelos medos, deve-se construir sempre a ideia de que temos o “Direito de Nascer”, para que se possa responder a grande questão “Nietzschiniana” desta forma:
A vida que estou construindo eu posso vive-la em toda a eternidade.