sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Vidas: Temperadas ou Insossas

 

Gosto muito de entrar em livrarias para olhar guias e livros de fotografias de lugares. Outro dia, folheando um sobre restaurantes, me lembrei de uma mulher que vou chamá-la de Carmita, a qual fui apresentado há muito tempo. Na tentativa de encontrar um tema comum a todos para estabelecer uma afinidade, comecei a dizer naquele encontro, que uma das minhas ilhas de prazer na vida era viajar e sobretudo para novos lugares. Destinações desconhecidas me fazem mergulhar na perda das referências que me traz uma agradável sensação de desbravamento das culturas e dos paladares.

Enquanto falava, Carmita me olhou e com um pedido de licença em seu olhar, disse: “Detesto viajar... Olho as fotos dos lugares e me dou por satisfeita”. Eu a interpelei um pouco surpreso: “Nem para Tiradentes?” Ela, sem o menor tom de agressividade, mas com uma franqueza respeitável, de uma vez que aquela afirmativa iria restringi-la, me respondeu – “Não gosto de viajar, não gosto de jantar fora... Não faço questão de sair do meu mundinho”.

Lembro-me bem que a partir do que ela me disse, comecei a divagar silenciosamente em minhas considerações.

Pensei “Carmita da Caverna”. Pensei esta mulher como sendo uma pessoa que ao invés de conhecer um quadro diante dos olhos, acharia uma foto da tela suficiente, como se bastasse olhar o cardápio de um restaurante sem nada pedir...

Perguntei-me: A sua alma se alimenta de que?

Já pensou o mundo sem a curiosidade para além dos limites visíveis? O que seria de nós?

Estaríamos morrendo das mesmas doenças da idade média e até mesmo as de épocas anteriores. Mesmo a fotografia que a saciava foi inventada por uma alma instigadora.

O mundo evolui devido a emancipação do conhecimento. O nosso mundo interno também.

O crescimento nada mais é do que se aventurar ao novo estágio: o movimento de renúncia de uma condição para ingressar em outra.

Li uma matéria no jornal O Globo, sobre um elefante na Coreia do Sul do Zôo Everland, que consegue expressar cinco palavras em coreano: olá, sente-se, não, deite-se e bom.

Como declara a repórter, é obvio que o elefante não tem noção do que diz, mas o contato intenso com os humanos expandiu sua possibilidade.

O elefante não tem o aparelho fonador. Ele consegue dizer as palavras ao criar um meio para superar esta limitação. Colocou a tromba em sua garganta para que no sopro pudesse recriar o som das palavras...

Se um elefante que rompe seu nicho para se defender da solidão, pois não tinha nenhum companheiro de sua espécie durante anos, estabelece um contato além do que seria o natural e consegue assimilar aspectos que não pertencem a sua natureza, imagina uma pessoa o quanto pode acrescentar em si mesma, ao estabelecer linhas de comunicação e conhecimento com outros mundos.

Atualmente a Organização Mundial da Saúde afirma que nos centros desenvolvidos, uma pessoa de 72 anos tem a mesma perspectiva de saúde que uma de 20.

Nossa longevidade é fato certo no mundo atual. No entanto, viver mais deve ser aliado a viver emocionalmente bem.

De que adianta conquistar uma vida longa sem uma cognição bem desenvolvida?

De que adianta uma pessoa ultrapassar as barreiras cronológicas dos ancestrais e ter uma precária vida mental e emocional?

Hoje se sabe que alguém que assimila mundos novos e que se mantém inserido no contexto evoluído das ideias, desenvolve mais recursos no cérebro, estimula as sinapses e potencializa a sua resiliência, ou seja, fortalece a resistência em muitos espectros.

Portanto, meu susto em relação a Carmita passava longe de um preconceito pelo modo de vida, mas em saber que a permanência num mundo menor é fazer com que o cérebro deixe de encontrar desafios. Deixa com isso de evoluir. É se abrir ao mau porvir, pois o futuro virá, mas a qualidade em vivê-lo depende de cada um.

Outro dia estava perto da minha casa em Copacabana, e uma mulher de uns 25 anos me parou para perguntar: O Senhor poderia me dizer onde fica a Av. Atlântica?" - Confesso que fiquei meio impressionado dela não saber e respondi: Você está a uma quadra da praia. É só descer aquela rua."

Ela visivelmente emocionada me disse “Vim conhecer o mar.”

Sabe que a praia é tão parte da minha vida que nunca imaginei que encontraria uma pessoa adulta com a alegria de ver a orla que me é tão habitual…

Ao contrário de Carmita esta amplia os próprios horizontes e, com certeza, amplia vários sem depender de ninguém…

O psiquismo tem uma tendência natural a inércia, ele é estimulado no encontro com o novo e depois desacelera.

O novo é que estimulou o cérebro do elefante e é evidente que qualquer elemento novo tem o poder de estimular o meu, o seu e o de todos que se aventuram ao descobrimento.

Soube, tempos depois, que aconteceu com Carmita o que temi quando ouvi o modo excludente com o qual se conduzia. Começou a desenvolver uma senilidade, a partir de uma depressão. Não soube temperar… Vida insossa… Alguns diriam de modo leigo: “Ah… Problema inevitável da idade”. Grande erro.

O que faz com que uma pessoa seja considerada velha? A que ficou parada no tempo. Aquela que se exclui gradualmente do mundo. A que não acompanha o fluxo dos acontecimentos.

Aquela que perde a menina ou o menino curioso deixa de ser aventureiro de si mesmo.

Sabe aquele jogo de dados? Que você tira um número e conforme o lado você anda um determinado número de casinhas? Pois é… tem pessoas que andam para trás. Lançam sua sorte ao contrário do que seria favorável a si mesma.

Como disse Freud o importante é criar um mundo sobre o qual você possa e goste de viver. Toda pessoa que se fecha em si mesma, vai se “ensimesmando” e perdendo a habilidade de lidar com a vida e perde a conexão com ela mesmo que esteja em contato.

Se em conexão com um novo mundo até um elefante aprende a falar… Imagine o que você pode aprender em contato com um mundo além da sua realidade… 

Enquanto “Carmitas” escolhem viver entrincheiradas nos mundinhos, há os “Máximos” da existência, que atravessam os limites e constroem a vida dos sabores.

Pena… que alguns com o tempo se tornam “Carmitas Ninguém” ao invés de se tornarem os “Máximos”.

A vida que vale a pena ser vivida?

Aquela que pode ser aprendida.

Aquela que é expandida… 

Aquela que a faz crescida… 

Para você extasiada com sua altura subjetiva poder dizer:

" Ah… Como é belo o mundo visto do alto."

Pense nisto.


Manoel Thomaz Carneiro

Psicanalista/Psicofísico

Créditos das Imagens: Patricia Secco (@patriciaseccoarte) 

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