terça-feira, 28 de maio de 2013

O Direito de Existir

Quando eu era pequeno havia uma novela que se chamava “O Direito de Nascer” e este nome me veio quando soube outro dia de um caso sobre um homem de cinquenta e poucos anos que impossibilitado por si mesmo de assumir o seu desejo, sua verdade afetiva de modo aberto e profundo mergulhou gradativamente num processo de autodestruição através do álcool que está minando todos os setores da vida dele. Ele aboliu o direito de nascer para a vida que nasceu.
Lamentei muito esta história e fiquei a pensar sobre a dificuldade humana em impor limites, em assumir condições, em dizer não aos excessos de solicitações, do “envergonhamento” para expressar opiniões e, sobretudo na culpa de arrancar determinadas máscaras.
De fato desde que nascemos precisamos que nos desejem para que sejamos bem recebidos na vida. Esta condição de dependência do outro nos coloca de imediato na posição de submissão, de sedução, de busca de aprovação e de contínuas provas de acolhimento.
As experiências de sermos respeitados nas diferenças e nas opiniões trazem para nós o progressivo registro em nossa estrutura que podemos de certa forma contrariar ou mesmo podemos deixar emergir determinadas singularidades em nossas vidas cotidianas. Como se o mundo nos dissesse através do respeito nos nossos primeiros tempos de existência, que somos amados como sujeitos, singulares.
Essa vivência liberta a pessoa para o direito de uma série de expressões, que vai desde o de escolher um sabor de sorvete até definir uma profissão ou estilo de vida. 
A experiência do olhar respeitoso as singularidades suscita a liberdade para se expressar e conviver sem constrangimentos.
Uma pessoa que foi isenta desta individualidade, que foi anulada em determinados direitos, cresce envergonhada até mesmo de ocupar um espaço no elevador. Convive com uma secreta sensação de inferioridade que pode passar pelos complexos. Constrói-se espelho do mundo que a cerca.
Às vezes a falta de um pai amoroso, ou mesmo a presença excessivamente autoritária esmaga a sensação de direitos e faz expandir apenas a noção de deveres. Torna-se uma pessoa colonizada.
Conheci uma mulher que devido à dificuldade de dizer não, se deixava ser devorada e na impossibilidade de se colocar numa equidistância acabava por minar a convivência com as pessoas que se aproximavam dela.
Muitas pessoas destroem o que desejam por não saberem conviver através da noção dos espaços que cada um deve ter. Já que não sabem expressar o que as incomodam, rompem e se distanciam carregando as permanentes dificuldades. 
Sabe-se hoje, que algumas pessoas nascem com predisposição à chamada “Preocupação empática excessiva”, onde os valores dos outros ou necessidades são sempre vistas como próprias, como se houvesse um espelho cujo reflexo do outro se confundisse com a própria imagem.
Outro dia num encontro casual, quando ia correr, a filha de uma conhecida me contou que o namorado não ligava para a aparência e, portanto nunca se vestia de forma apropriada. Já tinha ido até de sandália a casamento. Não adiantava falar, pois odiava ser criticado.
O que parece isso? Uma evidente forma de oposição a alguma autoridade extrema vivenciada em sua criação. Pulou da opressão para a liberdade através da rebeldia agressiva. Tornou-se igualmente autoritário. Continua preso, pois quem busca sempre fugir é porque ainda está acorrentado.
Para existir e buscar se afirmar, se faz desnecessário abolir todas as regras, códigos ou pedidos.
Incorporamos padrões nos nossos modos de ser. A modificação de hábitos, até os mais arraigados, pode ser realizada.
O hábito é um comportamento adquirido por alguma razão. No entanto pode-se tomar consciência do que de negativo se está fazendo consigo mesmo.
Entenda o que se passa na sua cabeça e modifique o que destrói o seu prazer cotidiano.
Quantos se submetem a solicitações perversas e a total falta de respeito.
Nietzsche tem uma indagação que sempre recorro ao avaliar algum aspecto da minha vida ou opções: “Você vive hoje uma vida em que gostaria de viver por toda a eternidade?” e complementa em outro texto: “Nossa dor vem da distância entre aquilo que somos e o que idealizamos ser.”
Recentemente, acompanhei minha mãe, que se chama Virginia, numa palestra testemunho que ela realiza há muitos anos.
Fiquei do lado de fora, pois estava lotado, mas pude ouvir a parte em que ela narra que devido a poliomielite que contraiu quando tinha apenas dez meses e toda a deformação numa das pernas e na coluna que isto ocasionou, minha avó queria que ela fosse freira. Dizia que nenhum homem a olharia naquelas condições e que os médicos afirmavam que se tentasse ter filhos morreria.
Com confiança em si mesma e em seu valor interior que a fez dar descrédito a todos os “nãos” que ouviu, disse sim aos próprios desejos e sonhos. Casou com um homem, de 25 anos, engenheiro de Belo Horizonte, de olhos azuis e teve seis filhos.
Ela está aos 89 anos, lúcida, independente e com a certeza que ela responderia a Nietzsche que esta vida que construiu poderia vive-la todinha na eternidade.
Graças aos “Sins” que ela deu a si mesma e aos “Nãos” que deu a mãe e as descrenças, ela realizou o Direito de Existir e com isso o meu Direito de Nascer.
Tudo na vida é de fato uma questão de postura diante de si mesmo.
Quando eu tinha treze anos seguia um curso de inglês. Uma vez foi passado como exercício a construção de um texto. Escrevi um diálogo comigo mesmo em inglês. Decidi por essa forma por achar que se eu já pensava em outro idioma era porque dominava os vocabulários e os verbos que deveriam ser aprendidos. 
Depois da leitura em sala a professora me deu zero. Eu tive um choque, pois não havia erro gramatical algum. Perguntei o porquê e ela simplesmente me respondeu que ninguém conversava consigo mesmo. Ela abusou da autoridade.
Abuso, sobretudo ignorante, pois estava ali para corrigir a matéria e não tinha o direito de podar a criatividade.
Ao invés de me sentir condenado, falei com os meus pais e pedi para sair. Lógico que tive o total apoio. 
Saí daquele curso na hora... Disse não àquela autoridade neurótica.
Penso que a criatividade daquela professora estava destruída e que ela estava impedida de encontrar a si mesma.
Sem direito a pensar, sem direito a existir.
Quantos podam a existência através das inibições, dos complexos e das submissões inseguras. 
Aprender a dizer não é uma questão de respeito à vida e ao Direito de Nascer e Renascer.
Converse consigo mesmo em inglês, francês português, só não converse diante daquela minha professora!
Quando pensamos através dos bons discernimentos passamos a abrir grandes possibilidades para existirmos bem. 
Grande ironia do destino quando penso na professora e na pessoa que me tornei... Sou um contínuo pensante.
Esta é a minha ideia, nesta semana para se reinventar a vida.
O lançamento do livro está mais próximo. Dia de expô-lo no berçário. Afinal ele nasceu.
No Rio de Janeiro, será no dia 11 de junho na Livraria Argumento do Leblon, às 19:00h.
Em São Paulo, no dia 24 de junho na Livraria da Vila JK às 19:00h.
Aos padrinhos deste filho literário, Gisella e Ricardo Amaral o meu muito obrigado, por terem viabilizado o meu livro me oferecendo o Direito dele Existir.
Ao invés de se destruir pelos medos, deve-se construir sempre a ideia de que temos o “Direito de Nascer”, para que se possa responder a grande questão “Nietzschiniana” desta forma:
A vida que estou construindo eu posso vive-la em toda a eternidade. 



sexta-feira, 24 de maio de 2013

terça-feira, 21 de maio de 2013

Construir o Prazer

Outro dia enquanto lia a prova gráfica do meu livro para dar o “ok” final, comecei a pensar nas etapas que constituíram a concepção daquelas letras pensadas. Ao voltar no tempo, fui aos momentos das criações dos cursos, nas aulas que dei, nos alunos e nas inúmeras alunas que perfizeram minha história como professor do Grupo de Estudos Pensar. 

Tudo isso acabou por me reportar a minha infância, na qual adorava montar no meu quarto a sala de aula, onde também construía casas e cidades, em que as miniaturas dos carros se misturavam aos cavalos do forte apache. Assim, através da criatividade me punha a conceber com minhas mãos o meu prazer. Por vezes deitado no chão passava horas brincando sozinho. Não precisava de mais nada.

A escrita deste livro me trouxe de novo esta sensação de imersão nas ideias e na criatividade, onde por vezes parecia que nem tinha corpo. Para finaliza-lo completamente, passei uma semana em Búzios na minha pousada predileta, no quarto que é sempre o meu e lá eu era só pensamentos e imaginação. A passagem do tempo se tornou suspensa da minha percepção, semelhante aos momentos em que eu criava na infância.

A criatividade nos absorve e nos retira das necessidades e das tensões derivadas das faltas. Sofrer muitas vezes advém da falta de propósitos na vida; da falta da vivência de um dom pessoal. 

Quantas pessoas transformaram a vida através da vivência dos dons descobertos. Cada um tem o seu. A proprietária da loja de doces, do restaurante, a chefe de cozinha, a estilista, a voluntária humanista, o médico sem fronteiras, a decoradora, todos com isso estão fazendo as brincadeiras da vida adulta.

As brincadeiras hoje deixaram de ser construídas, pois se tornaram consumos. Os games prontos que quando enguiçam são imediatamente desprezados em detrimento a outro novo em folha.

Quem pega numa tesoura, num papel para recortar, fazer um barquinho ou avião? Quem que com criatividade imagina alunos sentados enquanto se ensina na verdade é para uma sala de aula constituída de uma amiga e várias bonecas ouvintes? Quase ninguém.
Pode-se pensar que estas linhas são saudosistas. De forma alguma. Não paraliso o meu olhar no que já passou. Não gosto de me alimentar de causas vencidas.

A questão é que quando se coloca um lençol nas costas e com uma vassoura se sente “A Feiticeira” ou o “Batman” e também se brinca sozinho através da imaginação, de modo subjetivo habilita o nosso mundo psíquico para a capacidade futura de ter uma dose de autossuficiência, para permanecerem alguns grandes momentos sozinhos sem se sentirem completamente ameaçados. Desenvolve-se também a capacidade de criar os próprios momentos de prazer e, sobretudo se habilita a se ver capaz de construir ou reconstruir a vida.

Na infância brinca-se de viver o futuro, para que um dia se possa o adulto viver no presente.  

Treina-se com os brinquedos a dirigir, cuidar e amar. Hoje só se brinca de competição ou só se desenvolve habilidades para a competição do mercado. Quando as relações afetivas se deparam com questões, ninguém sabe criar e recriar ludicamente o prazer de estar e permanecer.

Quando a vida não se apresenta perfeita e brilhante não serve, mas também nada fazem. Pirraçam batendo os pés com um corpo infantil dentro de uma aparência adulta berrando “Isto não quero, não quero! Quero outro brinquedo”... “Só brinco com brinquedos perfeitos e castigo os que não são”. 

Aquele que não se sente habilitado a viver quando a realidade não apresenta um jogo perfeito de prazer é porque não desenvolveu em si a habilidade para transformar uma coisa em outra, ou mesmo tentar conceber uma nova perspectiva de vida a partir do que dispõe.

Como disse o psicanalista Erich Fromm “A principal tarefa de uma pessoa é promover o seu próprio nascimento.”.

Quando isso ocorre? 

Toda vez que concebemos uma obra que pode ser um livro, um quadro, um bolo, uma nova receita ou toda vez que diante do desabamento de algo que considerávamos bom para nós, conseguirmos estabelecer um ressignificado para garantirmos a presença do sentido da vida.

Comece a pegar uma massinha e modele formas em si para conceber uma pessoa criativa capaz de desempenhar.

Há uma frase de Nietzsche que diz: “Como? Um homem? Não! É um ator desempenhando seu próprio ideal.”.

Adorei desempenhar o meu ideal de escritor e batizei o livro de “Pense Bem – Ideias Para Reinventar a Vida”; edição Casa da Palavra.

O lançamento no Rio de Janeiro será dia 11 de junho, às 19:00 h na Livraria Argumento do Leblon na Rua Dias Ferreira, 417.

Brincar é coisa séria. Eu brinquei de tantas coisas que a vida se tornou um manancial de boas sensações. 

Já que a vida as vezes não tem grandes humores, cabe a mim criar os bons momentos. 

Pode-se brincar de médico, de enfermeira, de Jane e Tarzan, pode-se brincar de feliz, de policia que algema os ressentimentos para colocá-los longe das brincadeiras.

Pode-se também brincar de analista e prestar muita atenção naquilo que está impedindo você de brincar de viver.

Quando a vida trouxer dificuldades, enfrente e depois brinque de vitorioso.

Depois? Durma em paz no repouso dos guerreiros.

Imagens: GettyImages

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Capacidade de Existir - O Coach Internalizado

Informamos que na semana de 1º de maio não haverá aula em nenhuma das três turmas. Retornaremos com o novo curso "Capacidade de Existir - O Coach Internalizado" que iniciará nos dias 07 e 08 de maio com suas respectivas turmas de 3ª e 4ª feiras.


Turma Leblon - 3ª feiras das 14:30 h às 16:30 h
Início: 07 de maio - Término: 25 de junho
Turma Leblon - 4ª feiras - Turno da Tarde das 14:30 h às 16:30 h
Início: 08 de maio - Término: 26 de junho
Turma Leblon - 4ª feiras - Turno da noite das 19:30 h às 21:15 h
Início: 08 de maio - Término: 26 de junho

Valor da mensalidade: R$ 390,00 - Valor da aula avulsa: R$ 100,00
Centro de Eventos do Ed. Leblon Corporate - R. Dias Ferreira, 190 Leblon.
Informações e reservas: ( 21 ) 9983-5751 ( Ilana )

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Abastecer o Inconsciente

Outro dia li uma entrevista com o economista grego, Loukas Tsoukalis, especialista e professor de integração europeia na qual falou sobre a crise nos países da comunidade do euro, onde sinalizou sua ideia sobre a falta de um estadista no mundo, de um líder político consistente e carismático para gerar uma unidade de sensação de segurança.
Ao ler esta declaração sobre a falta de um líder, pensei a respeito da mente que necessita de uma linha de raciocínio para refletir e fazer que possamos ter uma ideia consistente que nos oriente e responda questões.
Aprendemos uma série de coisas, colecionamos em nós, nomes, filmes, livros, situações, mas será que alguém sabe responder o que de fato é necessário encontrar para se suprir no campo psicológico?
Vejo no Hortifruti, que adoro ir, mulheres, homens com listas ou com apenas os olhos e os carrinhos abertos ao que as mãos seguram das prateleiras. Com certeza sabem sobre vitaminas, clorofilas, sobre o excesso e a falta do açúcar, enfim sabem tantas coisas sobre como misturar um queijo brie com a geleia de damasco, mas será que as pessoas sabem responder sobre o que pegar nas prateleiras do “supermercado mundo” para se abastecer?
Nosso inconsciente é plural e necessita, como o corpo, de elementos diversificados.
Precisamos de dose de mãe, de pai, de irmão, de irmã, de amigos, de criação, de erotismo, de sexualidade, de marido, de mulher, de filhos, de avó, de avô, de casa, de viagem... Precisamos encontrar tantas coisas para abastecer o carrinho existencial...
A felicidade é um presente de gratidão de nosso Inconsciente Plural. 
Será que a lista de prioridades está clara na sua consciência?
Sendo o inconsciente plural, a dose de um único item irá satisfazê-lo?
Ter só a maçã para se suprir por completo?
Será também que está cercada de vários itens, mas se sente distante da felicidade? Será neste caso que a dose vivenciada de cada elemento de sua vida está sendo vivida na boa medida?
Ingestão contínua de ginástica e mais nada, ingestão de casamento em bulímicas doses...
A tristeza é a linguagem de nosso inconsciente plural que nos fala de sua anemia.
A tristeza nos deixa fraco porque nosso interior está desabastecido de bons alimentos ou de alimentos em doses erradas.
Se somos constituídos dessa pluralidade, a diversidade em medidas lúcidas e sábias nos fortalece.
A Biodiversidade Existencial é um ato de um bom sabedor dos nutrientes psíquicos necessários.
Como uma excelente receita de Dorival Caymmi: um cadinho de ioô, um cadinho de iaá... 
Bota castanha de caju, um bocadinho mais;
Pimenta malagueta, um bocadinho mais...
O economista falou que falta um líder para organizar a crise...
Quem sabe a crise do continente Você, esteja presente porque falta ser liderado por uma boa noção de economia psíquica? Oferta, demanda, valor agregado, produção e produtividade. Diante das prateleiras do mundo, saiba abastecer seu carrinho existencial... Olhe os prazos de validade vencidos, olhe os que são desnecessários e os fundamentais.
Um pouco de uma coisa, de outra, depois outra, uma mistura no sábado de tudo e na segunda-feira o que faltou no domingo e assim... Dia a dia com a nova nutrição mais balanceada a crise passa.
A saúde de seu inconsciente plural será a felicidade.

Imagem: GettyImages

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Juntos e Misturados?


Outro dia me lembrei de que contei na aula que há seis anos, estava num sábado à noite deitado mais ou menos a uma da manhã, quando comecei a ouvir um barulho de água. A princípio, devido ao silêncio da rua, pensei que fosse o ruído mais nítido da fonte que tenho num pátio, mas alguns minutos depois percebi que vinha de outra direção e resolvi seguir como se segue o fio de Ariadne que se desenrola no labirinto e cheguei a cozinha que havia se transformado num visual de efeito cascata.
Aquilo me tomou como se fosse um vazamento em mim e não comigo. De repente me veio um comando interno de potente ordem que me disse: “Eu não sou a cozinha... A água corre pelas paredes, não em mim”.
Tomei as providências urgentes e descobriu-se que vinha da caixa d’água. As bolhas no teto de gesso pareciam queimaduras de pele devido ao excesso de sol. Voltei para minha cama, liguei por acaso um canal italiano, me coloquei diante de um concurso de dança, e comecei a realizar uma profunda cisão entre “Eu e Isto”.
Esta elaboração incisiva que fazia comigo mesmo, me levou aos conceitos da psicanálise sobre a formação de nossa identidade sob as rédeas do inconsciente, onde tudo e todos que nos identificamos e até nos pertence se mesclam em nós. Assim se forma de modo imperceptível a pessoa que nos tornamos: Juntos e misturados.
Até o dinheiro que você possui, empresta e não é devolvido, causa o mal estar, pois um pedaço de sua constituição está faltante. Quando algo enguiça, parece que se enguiça junto. Uma pessoa sem atenção vigilante se torna a cozinha, o lavabo, o carro, se torna também o André que ela gosta, a Júlia, a Talita, o Maurício, o Júnior seu filho.  Uma pessoa é a soma das identificações. Algo errado com um deles é vivido como se fosse integralmente um problema próprio e profundo.
Um dos grandes trabalhos psicológicos da vida humana é resgatar certo distanciamento desta simbiose, através da percepção consciente para se elaborar uma identidade preservada do mundo exterior, sem se fazer profundamente permeável e nem tampouco impermeável ao extremo. 
As identificações são formas de enfeitar nossa vida, de construir um mundo personalizado. Uma vida sem elas é uma vida morrida, mas ao mesmo tempo uma pessoa tem que ser inteligente diante desta tendência a se perder no outro, a se perder nas coisas sem até mesmo saber quem é como indivíduo.
Na edição de Março da revista CLAUDIA, a atriz Cissa Guimarães fala que sua vontade é estar juntinho de seu filho Rafael, lá no céu, mas ao mesmo tempo sabe que nem ele iria gostar deste encontro fora do tempo. E diz que cabe a ela ficar bem bonita aqui na vida, de modo inclusive a ajudar outras tantas pessoas que passaram por perdas para que possam continuar na existência.
A Cissa trabalha esse resgate de si mesma diante da perda. Ela está no esforço contínuo, da atenção reflexiva para permanecer junto, sem estar psiquicamente misturada. Caso contrário, irá cometer o grande erro existencial de seguir o destino do outro.
O caminho da Cissa é o caminho que todos por razões diferentes têm que seguir para aprender a grande lição da vida – Juntos, bem juntos sem estarmos misturados. –
Quando saí do Shiatsu no sábado à tarde, chovia muito e apesar de adorar, aliás como poucos porque me identifico também com dias cinzentos, me protejo de ser regado pela chuva. Tirei da minha bolsa um guarda chuva. Assim estava nela, cercado de pingos sem ser ela.

Protegido, caminhei pela Visconde de Pirajá, onde meus tornozelos recebiam os respingos da  água que batia na calçada, mas grande parte de mim deixava de ser a chuva. Continuei sendo eu, apesar dos molhados, dos encharcados de uma cozinha, das perdas, das distâncias que me separam de lugares e pessoas que amo. 
Apesar dos enguiços faço uma “Assistência Técnica” contínua para permanecer com a Capacidade de Existir a Plena Eficiência.
Se proteger do real que chega junto e com força para se misturar exige de nós a intenção, a inserção na ideia, e o estímulo do contínuo uso. 
Quem está na chuva é para se molhar, diz o ditado, mas... permanecer nela muito tempo traz até pneumonia.
Arrumei minha cozinha, repintei-a, refiz o teto e zerei os efeitos daquela noite. Um tempo depois em escala muito menor, tudo voltou a acontecer. Nada mais fiz externamente a não ser aprender que as imperfeições fazem parte da beleza.
Eu sigo assim. Você pode também.
Juntos e Misturados?
Nem sempre.

Imagens: GettyImages


segunda-feira, 25 de março de 2013

Pêssach | Páscoa – Ser e Fazer


Li no O Globo de domingo, 24 de março, na coluna “Dois Cafés e a Conta...” que o Colégio Nave foi reconhecido pela Microsoft como uma das 33 escolas mais inovadoras do mundo. A única do Brasil na lista. Na cerimônia, um aluno Jonathan Caroba de 17 anos foi aplaudidíssimo devido à apresentação. Ele, morador da Maré, que adora a bossa nova, é filho único de uma doméstica e de um porteiro. Nesta entrevista concedida a Mauro Ventura, afirma que “A questão é saber se colocar. Não usar gírias, se vestir de maneira adequada ao ambiente” e continua “Se você nasce na favela sua perspectiva de vida é outra. A visão é menos abrangente. Sempre gostei de teatro, exposição e cinema. Por iniciativa própria vou a locais gratuitos como o CCBB, Caixa Cultural e museus.”
O depoimento de Jonathan me levou mais uma vez a pensar durante a minha corrida no título do meu atual curso “Capacidade de Existir – Problemas e Soluções”. Percorri em minhas ponderações que a nossa “Capacidade” é de fato uma construção baseada na “Intenção”, na “Inserção” e no “Autoestímulo”. É a confecção de uma “Capa” que se coloca através da inscrição em si do Ser que você deseja se Tornar. A “Capa” na “Idade” representa a roupagem que você veste suas ideias para constituir no plano psicológico a indumentária da “Capacidade”.
A Capacidade de Jonathan, bem como a sua, a minha ou a de qualquer outra pessoa deve ser aliada a permissão que vamos nos dar as perspectivas que ambicionamos de modo verdadeiro e profundo. 
Sair de uma condição para se construir em outra pode ser o Pêssach, que comemora a saída do Egito da condição de escravidão na busca da liberdade de Ser. Na Páscoa cristã também se comemora a libertação de uma condição de amarras...
O Jonathan fez da sua existência uma páscoa através da emancipação dos contextos desfavoráveis. Ele buscou a inserção no mundo das identificações escolhidas. Sem ficar no querer queria dos indolentes, partiu em busca das frestas que seus olhos autorizados buscavam.
Olhos interditados criam as zonas cegas quanto às possibilidades... Olhos interditados impedem o mar de se abrir. 
O mar vermelho se abre como mar da vida através da força de nossos propósitos.
Nesta páscoa repense os “Jonathans” internos que podemos ser. Ele nasceu num mundo e se gerou para a existência do desejo. Soube Ser e Fazer a passagem. Fez a páscoa em si mesmo.
Se para Jonathan havia misérias, ele compensou com a riqueza dos propósitos e dos autoestímulos.
Se há misérias nas suas crenças substitua pela riqueza das boas percepções... Das boas Marés.
Realize ao menos uma páscoa em relação a sua existência, numa empreitada que a leve as Soluções no Existir.
Escolha algo, um sentimento, um limite e saia de uma condição desfavorável e faça a inserção no mundo das felicidades de liberdade. 
A vida é uma jornada pessoal de páscoas contínuas.
Feliz Páscoas.

 


terça-feira, 19 de março de 2013

Vida Boa


Fui no sábado ao Museu de Arte do Rio – MAR e gostei muito da concepção. A vista sob um dia lindo para uma região que começa a mostrar os bons sinais da revitalização, poderia ser mais aproveitada com a instalação de um restaurante e um café, onde inclusive poderíamos desdobrar nossa permanência e fazer pausas durante o percurso para melhor apreciar a totalidade.



A visita começa pelo sexto andar e nos conduz aos outros níveis com exposições muito interessantes. Podemos ver obras da Coleção Geneviève e Jean Boghici e também da Coleção Fadel, além de um acervo com pinturas e objetos com as paisagens lindas do Rio nos Séculos 19 e 20. Num dado momento, do meu percurso, havia um grupo de jovens com uniformes do museu e diante da tela chamada “La Vierge et Sa Mère” de Michel Mareau, um explicava as imagens e assim dizia: “Quando nos fragmentamos demais para pertencer totalmente aos outros, entregamos todas as partes de nosso corpo e ficamos sem recipientes internos para guardar as nossas realizações e o vazio então se instala”. Ao escutar esta explanação tão psicanalítica, senti um arroubo de curiosidade para descobrir que grupo era aquele. Confesso que havia percorrido os meus olhos pela obra em questão e esta interpretação escapou as minhas percepções.
Parei novamente e comecei a buscar ver nas pinceladas as palavras deste educador, pois já tinha me informado que se tratava de um grupo de educadores do museu... Pensei durante a minha nova observação que muitas vezes realmente precisamos do outro para nos ajudar a perceber aspectos que até sabemos, mas não vemos num determinado contexto.
Quantas e quantas vezes passamos por importantes situações de modo distraído.
Quantas vezes uma pessoa carrega as pinceladas de uma sensação da qual desconhece o significado. Vive como a tela carregada daquela realidade, mas por desconhecimento impossibilitada de ver a si mesma.
Pensei que aquela tela continha um sentimento presente em todo ser humano.
Quem que deixou numa vida de sentir aquela sensação de vazio? 
Por vezes se apresenta quente e grave por outra mais fina mais aguda, mas de qualquer modo ela sempre em algum momento se faz anunciar. 
Pensei também na interpretação selvagem, imprecisa que muitos dão ao que sentem. Pensei igualmente na interpretação que muitos dão aos outros, como se o vazio fosse o diagnóstico de uma vida fracassada.
Nascemos desabastecidos de realizações e chegamos à vida com esta fome de algo. Somos aberturas em busca.
Somos seres buscantes.
De quê? De muitas coisas... Temos muita fome existencial. Amores... Afetos... Conhecimentos... Sabores... Cheiros... Paisagens...
A Vida Boa? É aquela plena de permissão de busca e de projetos, pois sem eles podemos até ter futuro, mas ficamos sem direção.
Aprender a se alimentar na existência é aprimorar a Capacidade de Existir.
Você deve conhecer pessoas que comem muito e quando fazem um exame de sangue se deparam com um resultado que acusa uma anemia. Conclusão: comem errado. A vida mental apresenta muitas vezes um quadro semelhante. Tem muitas pessoas plenas de atividades, mas quando fazem um exame de si mesmas estão anêmicas com altos índices de carências e de vazios. Fazem o prato de cada dia com ingredientes errados... Às vezes insossos outros bons, mas repetitivos... Às vezes tão pouco de tudo...
Se abastecer é uma arte a ser aprendida e apreendida.
O cineasta Joe Wright numa entrevista falou que ao perceber que estava na porta dos quarenta, sentiu-se impelido a encontrar uma história que tivesse alguma ressonância com a nova fase da vida que se aproximava. Fazia cinema... Alimentava-se já disto, mas queria algo com um sabor diferente. Arriscou uma nova receita. Filmar “Anna Karenina” de Tolstói de um modo inédito. Transferiu a ação do livro para uma concepção teatral. A primeira cena já define, quando as cortinas se abrem para um palco vazio, como um convite a história.
Esta experiência cinemática nos narra também sobre o momento do diretor em sua busca de inovação pela transgressão de um hábito. Uma busca de uma nova conquista, de um crescimento do que faz. Sem abandonar suas atividades e nem tampouco colocar em questão as responsabilidades ou os vínculos, mudou o tempero com criatividade para se alimentar. Fui assistir e foi este aspecto teatral que mais me tomou neste filme.
Os pensamentos fixos são algemas na existência. São impedidores da boa capacidade de Existir na Vida Boa.
No sábado me alimentei destas novidades, me alimentei com a paisagem alcançada no museu, me alimentei com as telas e com as reflexões. Depois? Ah... Depois fui a Brasserie do Rosário e me fartei dos pães que lá se encontram. Alimentei minha mente com as reflexões, meu espírito com a beleza das obras pictóricas e arquitetônicas e também meu corpo com os paladares das invenções culinárias francesas. 
No fim da tarde, ainda um pequeno vazio me anunciava. Anunciava o que? A minha humanidade, que me falava que a Vida Boa exige sempre projetos para novos dias...
O Vazio? O que significa?
Significa que a sua natureza está chamando você para viver...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Curso Capacidade de Existir




Turma Leblon - 3as. feiras:
início - 05 de março - término - 23 de abril
horário: das 14:30 h às 16:30 h

Turma Leblon - 4as feiras - Turno da Tarde:
início - 06 de março - término - 24 de abril
horário: das 14:30 h às 16:30h

Turma Leblon - 4as feiras - Turno da Noite:
início - 06 de março - término - 24 de abril
horário: das 19:30 h às 21:15 h

Informações e Reservas: (21) 9983-5751 (ILANA)

Centro de Eventos do Ed. Leblon Corporate
Rua Dias Ferreira, 190 – Leblon


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Capacidade de Existir – O Novo Curso



Outro dia enquanto pensava na superação me veio a mente uma reflexão que li do escritor Alexandre Lacroix que está com o lançamento do romance “Voyage au centre de Paris”.
Lacroix, diretor da “Philosophie Magazine”, reflete no editorial a passagem dos acontecimentos através da imagem de um avião na decolagem e assim nos fala: “O aparelho se acelera sobre a potência dos motores, as rodas deixam o asfalto e você começa a viver a estranha sensação de afundamento na poltrona, sinal que começa a ganhar altitude. Pela pequena janela oval você vê um veículo que transporta bagagens, depois a torre de controle, depois o aeroporto... Por sorte o tempo está claro e alguns minutos mais tarde a teia de aranha das ruas da capital com seus monumentos remarcáveis se formam em sua visão... A mesma coisa para a nossa história...” 
A linha de ideia deste escritor se misturou a minha e pensei: Cada período de nossa vida, cada acontecimento, para ganhar maior perspectiva é necessário se desligar através de uma decolagem indispensável. Nela uma imagem clara se forma em nosso interior como a teia de ruas de uma cidade fica toda visível em nossos olhos através da altitude e distanciamento que o avião nos posiciona ao alcançar a altura.
Para que uma pessoa possa compreender uma passagem da vida ou aspectos maiores de uma situação que esteja imersa precisa muito mais do que reunir arquivos de conhecimento sobre a situação. A dimensão objetiva das situações é insatisfatória para conquistar claridade sobre uma experiência. É necessário conquistar um sentimento subjetivo de modo a colorir os fatos para que possa a pessoa ampliar a visão de si diante das coisas através do distanciamento que a decolagem proporciona.
Um levantar voo já é a permissão de sair de um lugar rumo a outro, já implica na disponibilidade para realizar um percurso veloz e elevado de novo pensamento.
Na sexta-feira, véspera do carnaval no Brasil, eu estava num café na rue de Rennes e quando fui pagar a conta... Onde estava a minha bolsa? Lugar algum. Levaram!!! Roubaram!!! Café vazio às 18:00h.
Nunca havia sido assaltado em minha vida... Aconteceu aqui em Paris para engasgo dos franceses que conheço que sempre perguntam sobre os assaltos no Rio de Janeiro.
Passei uma semana, com providências para cancelar cartões, invalidar celular, ir à polícia, ao consulado para obter o documento chamado “Laissez Passer” e com altos e baixos fiz o luto. Agora estou direcionado no porvir, no projeto do novo curso que se aproxima e como me bem aconselhou a Sandra do consulado: “Faça uma crônica sobre os seus sentimentos e comece então a ganhar com a perda. Aproveite para dizer aos brasileiros para ter atenção, pois a moda agora é assaltar nos lugares fechados; Um casaco que desaparece no restaurante, a bolsa que se desconstrói enquanto você pega algo no Buffet do café da manhã, o cofre do quarto roubado em que o hotel não se responsabiliza”. Adorei ser aconselhado e como agradecimento ao acolhimento carinhoso, bem obediente dou o recado e igualmente obediente escrevo estas linhas.
Hoje levantei pela manhã com a determinação de “decolar-me” desta história e me distanciei do que era irreversível...
A vida também leva conteúdos e pessoas que gostaríamos de jamais perder. A vida às vezes assalta rápido, sem margem de tempo para reagir e se defender, mas ela também apresenta o seu aspecto justo: 
Somos fundadores livres do modo pessoal de reagir e de se perspectivar diante de cada assalto a um sonho, um desejo, uma realidade ou mesmo um amor.
Se perspectivar é se libertar, é alçar voo e com isto ganhar distância.
Se perspectivar é perdoar.
Como falou Nietzsche na “Segunda Consideração Intempestiva” é importante saber se refugiar na veneração das grandezas para se persuadir que não há mais o que fazer.
Como um amigo me disse: faça um projeto de reposição gradual, como se fosse uma chance de renovação. Já fiz meus novos óculos, já repus minha moedeira, uma nova bolsa com a solidariedade das pessoas próximas... Um roubo leva, mas um roubo traz... O que aporta para mim? O testemunho da solidariedade, até da polícia francesa, hoje passado uma semana uma agente me ligou para saber notícias e fazer recomendações... 
Se virar para o passado, qual o interesse? Numa história de antiquários permanece o que tem profundo valor... 
O que tem valor?
A percepção da “Capacidade de Existir” diante do que inexiste diante do que poderia desaparecer, mas persiste em permanecer, diante de tudo.
Levantei voo em direção ao que ninguém tem condição de roubar o Poder de Continuidade Apesar dos Pesares.
Para 2013 inauguro os cursos com o tema  Capacidade de Existir – 
Aliás, é com ela e através dela que o ser humano cria e recria a si mesmo.
É com a capacidade de existir que o que desaparece de nossa vida fica impedido de fazer desaparecer a nossa própria vida.
Assaltos podem servir para saltos de percepções da imensa capacidade que temos de diante dos problemas encontramos a derivadas soluções.

Dia 05 de Março Turma de Terça-feira
Horário: das 14:30 h às 16:30 h
Dia 06 de Março Turma de Quarta-feira
Turma da Tarde / Horário: das 14:30 h às 16:30 h
Turma da Noite / Horário: das 19:30 h às 21:15 h

Até Lá! Decolo em breve em direção ao Rio de Janeiro.
Na Bagagem? A Capacidade de Existir.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Saída: Novo Caminho




Outro dia fui jantar no restaurante “Il SUPPLI” com uma amiga que foi a segunda pessoa que conheci aqui em Paris há 20 anos. Aliás, um ambiente muito charmoso e uma excelente cozinha que fica em Saint Germain. Ela me pediu para ir com um amigo que estava de passagem por Paris, que vou chamá-lo de Philippe Julien, um nome próximo do verdadeiro. Ele veio para ter uma sessão com um terapeuta.
Em um determinado momento durante a nossa deliciosa degustação da entrada que se chama Assortimento Italiano Maxi, Philippe começou a contar o porquê tinha marcado uma consulta... Com os olhos voltados para a minha amiga, me disse: “Há dez anos perdi minha mulher num acidente de carro e tenho a impressão que ainda não me recoloquei na vida, mesmo que hoje eu tenha uma companheira. Não vivemos juntos. Minha mulher estava no retorno do trabalho e conforme testemunhas, de modo súbito perdeu a direção e teve morte instantânea. Vi-me diante deste drama com três filhos, que se conduzem com muito equilíbrio apesar desta perda brutal e precoce. A caçula mora comigo, pois ainda está com 15 anos. O tempo passou eu bem sei, mas o problema é que depois deste acidente, me sinto frágil e tenho sempre medo que me aconteça qualquer coisa. Eu fico sem saber se teria forças para passar por mais uma provação. Sabe?” Continuou a me falar numa emoção contida “Minha mulher foi o meu grande amor... Vim a Paris porque precisava falar com alguém... Preciso me desconectar deste susto. Ainda estou em suspenso, como se estivesse parado num ponto a espera de não sei o que.”
Enquanto ele falava comecei a passear pelas trilhas de minhas reflexões em relação às histórias de dor e de busca de continuidade.
O drama de Philippe Julien tem um lado do inexplicável do destino. Torna-se difícil ultrapassar um drama quando ele parece inexplicável. Uma das grandes buscas em análise é dar um sentido aos acontecimentos, é encontrar uma razão ao vivido. Tem dois tipos de busca na ajuda terapêutica. Para algumas pessoas a necessidade de realizar uma análise nasce na vivência das situações difíceis e repetitivas, para outras, como para este homem de 49 anos, o desejo surge diante do encontro com os dramas dos quais em nada foram responsáveis pelo acontecido. Dentro destes casos, melhor que a ruminação estéril e improdutiva, o melhor é sempre se lançar em novos desafios na vida, pois se lançar em projetos é colocar a vida de novo nas próprias mãos, para se criar a sensação de controle e abrir a mente para os pensamentos de um novo futuro.
O psicanalista disse a Philippe: “Você esta preso na perplexidade... Se lance em um de seus projetos que estão em sua cabeça, para que esta fase não dure muito, senão ela poderá se transformar em morosidade e depois em morbidez. Evite que este drama se torne uma tragédia pessoal”.
“Sabe Manoel, - me disse ele já encerrando o assunto no tempo permitido a se lançar um tema desta ordem no contexto de um jantar aqui em Paris -, queria apenas com uma sessão verificar se eu tinha me conduzido bem e, sobretudo ter uma orientação sobre o que fazer para dar continuidade a minha vida num espectro maior... Dentre tantos desejos que guardo em mim, decidi me mudar para Paris e transferir a sede da minha empresa para cá. Vou sair dos terrenos mais calmos, onde vivi o meu casamento e o meu luto e fazer uma nova perspectiva. Aqui vou fazer a gestação de mim. Vou guardar o Phillippe e viver a partir da outra parte de mim que é o Julien”. Olhou para mim e perguntou: “O que acha?” Levantei a Taça com o maravilhoso vinho tinto e brindei: Ao Julien de Paris... 
Fiquei aliviado por testemunhar o encontro de uma pessoa com a saída do labirinto da dor. Pensei nos brindes que podemos realizar diante das permissões de continuidade apesar dos pesares.
Pensei nas taças que podemos erguer para brindar a parte de si renascida. Há no Philippe a presença eterna de sua dramática história, mas há nele também a parte que ele salva de morrer como sua mulher. Ele se ergue com a parte Julien.
Eu, você e qualquer pessoa poderemos pegar um sonho reserva para erguer a nova vida.

Acabei de ver o depoimento de uma menina chamada Malala Yousafzai que foi atingida num atentado a um ônibus escolar no Paquistão. Saiu profundamente machucada e com ajuda humanitária mundial foi levada para Londres. Antes de se submeter a segunda cirurgia, deu uma entrevista coletiva em que disse que agora a nova vida que D’us deu a ela, será toda dedicada as crianças que sofrem devido aos fanatismos. Malala Yousafzai encontrou um novo sentido, deu uma direção e pegou a parte renascida e ergueu sua vida através de um novo ideal.
Um brinde as Malalas da vida!
Um Brinde a Vida!
Um Brinde as Saídas de Julien, de Malala e de Todos Nós!

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Vida “Verglas”


Já vi muitas neves em Paris, mas nunca testemunhei como neste inverno dias seguidos desta penugem branca que caia do céu. A quantidade foi realmente enorme e todos que me conhecem perguntavam se eu tinha conseguido correr ou iria ter coragem para isto. A questão me era sempre colocada com uma expressão que denunciava o pensamento: “Manoel não conseguiu correr. Manoel não vai correr...”.
Realmente para aquele que nasceu e cresceu em Copacabana e que com seis meses foi colocado nas águas salgadas do Atlântico Sul, parece um pouco excessivo realizar o jogguing sobre este manto de gelo.
O verglas (palavra derivada de vidro que derrapa) era presente em todos os lugares e os tombos e as lesões se fazem frequentes nestas condições, mas para tudo na vida há que se ter um desejo e através dele a aproximação e o encontro de uma técnica para realizar o que se quer. Observei que até nos países mais frios e com alto índice de neve havia os seus corredores de rua. Lembro-me que em Helsinki, uma das capitais da Europa mais atoladas de neve que vi na minha vida, tinha seus corredores e assim decidi que iria encontrar por mim mesmo o modo de pisar, a correta posição do corpo para que a derrapagem fosse evitada. Assim fui e nesta maneira atenta mantenho em qualquer temperatura e condição a minha uma hora diária desta atividade tão presente em minha vida.
Outro dia durante a minha corrida polar, vi uma senhora no chão que me olhou e com os olhos meio desamparados e me disse: “Monsieur... Monsieur, por favor, me ajude a levantar. Acho que quebrei o meu pulso”. Enquanto a ajudava, pensei que aquele tombo tinha ocorrido pela falta de prudência. Caiu porque não fez atenção. Xingou a neve com a francesa indignação e com isto não se responsabilizou.
Pensei ali que a neve era um momento de crescimento, de vitória para cada um que deveria enfrenta-la para realizar o seu dia. O volume de neve era tanto que os carros estacionados estavam cobertos e assim parecia um quadro do século 19 e na mesma cena a senhora esparramada no chão vencida, sem condições psicológicas para usufruir. Olhei o sapato: uma bota de couro com o solado liso que a fazia pronta para esquiar como um trenó. Preparou-se para o tombo. Foi vencida pela falta de um correto preparo.
Não é assim que nos tornamos vencidos?
Sem se habilitar para o que se vai passar uma pessoa cai... Sem se habilitar, as situações da vida se tornam um verdadeiro verglas. O tombo daquela senhora em nada estava ligado à idade como muitos poderiam afirmar. O Tombo veio pela displicência em relação ao que o contexto daquele momento exigia.
Cada situação exige de nós algo.
No domingo auge desta realidade parisiense polar fui mostrar a rue Mouffetard, uma das mais antigas de Paris, e lá sentamos no café La Contrescarpe que é decorado com livros e uma iluminação muito agradável. Pedi ao filho de uma amiga para pegar aleatoriamente um livro da estante que estava atrás dele. Saiu “La Maison des Autres” de Bernard Clavel. Abri como se tivesse com um livro da sorte e na página estava um pensamento assinado por Alain: “Um ser que nada aprende é uma grande criança”. O que é uma criança? Um ser repleto de possibilidades, mas que por falta de experiência precisa do outro incondicionalmente. Um ser que precisa aprender para se preservar e viver sem se machucar.
Fui ver com calma a exposição das grandes caricaturas do século 20 que estão expostas nas grades dos muros do Jardim do Luxemburgo. Uma delas me chamou atenção pela proximidade com o tema desta crônica.
Esta charge que fotografei, nos fala que para uma civilização se desenvolva implica que cada adulto tem que reconhecer a necessidade contínua de aprender a lidar com os elementos que fazem parte da vida, numa posição de aprendizagem disponível e curiosa com o de uma criança. 
Pensei no momento que tirei esta foto na tempestade de neve que caiu, pensei nos passeios sobre a neve, pensei no manto branco... Pensei que qualquer amor que cai do céu, se o vivermos de olhos fechados iremos derrapar... Pensei também que qualquer coisa pode ser um verglas que tem potencial para machucar aqueles que não sabem caminhar sobre suas realidades...
Pensei que quem não se habilita a viver com conhecimentos... Mesmo nos mantos de paz... derrapa e se machuca.  

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Fazer a Vida


O ano começou e nele estaremos durante 12 meses. Em apenas um de seus 365 dias podemos inaugurar um começo, uma retomada, pois uma existência inteira pode ser condensada e, portanto representada em um dia: mil vidas; mil mortes; mil começos e mil recomeços.
Basta uma jornada para se conquistar mais certezas. Como é bom conquistar certezas sobre si e sobre outras tantas coisas. Mesmo a de não se poder realizar algo nos orienta, nos assegura. 
Estas reflexões surgiram em meus pensamentos enquanto assistia ao filme “Renoir” de Gilles Bourdos, que se passa em 1915 na Côte d’Azur e é lá no crepúsculo da vida física que o pintor impressionista Auguste Renoir, vive a perda da sua mulher, as dores lancinantes no corpo e a imobilidade progressiva pelas artroses que tem nas mãos, nos braços e nas pernas.
Renoir pinta como ele é. Aliás, o que fazemos é sempre o nosso reflexo. Um dia, seu filho Jean Renoir, que se tornou um dos maiores cineastas da história do cinema francês, concernido pelo testemunho do supremo esforço que seu pai fazia para realizar a vida cotidiana, diz: “Meu pai... Pare de pintar... Você já retratou tudo que a vida contém” e Renoir o responde: “Meu corpo tenta terminar com as minhas forças físicas, mas mantenho o poder sobre ele ao continuar minhas telas apesar do meu esgotamento”.
Um dia na vida de Renoir pode ser observado como uma dimensão metafórica. O firme propósito de continuidade o insufla de uma energia que ninguém mais espera nele. A cada noite parece morrer, mas em cada amanhecer renasce através do inabalável e impressionante desejo de criar. Já não mais andava, mas ainda procurava para cada manhã, um novo cenário, uma nova cena do cotidiano. Renoir dispensava as cores escuras, pois dizia que cabia a ele conceber apenas o belo e deixar para a vida o resto. Falava que cada ser humano deveria ficar atento para colocar o belo em cada gesto e palavra. 
Suas cores, no impressionismo tem uma intenção filosófica: suas mulheres no banho, os piqueniques na margem do rio, a languidez da nudez, revela o modo que encontrou para vencer o que não poderia deixar invadir. A vida de Renoir se prolongava através da sua alma repleta de vibrações.
Vencer a vida se torna impossível, mas deixa-la agir sem alguma oposição é semelhante a pegar uma tela e deixar os pincéis na obra do acaso.
Confesso que nunca fui muito tocado pelas telas de Renoir, mas após saber que cada uma representa sua vitória sobre o destino e que suas cores falam da vontade de criar apenas o belo, me programo para retornar ao Museu d’Orsay e observar as obras deste impressionista com um novo olhar.
A vida compreendida traz a possibilidade de uma nova leitura sobre aquilo que parecia nada. Hoje cada tela, além da cena retratada, trará para mim a subjetiva mensagem de uma intensa luta. 
Passei o Natal e a entrada do Ano Novo na Escócia e na viagem que fiz pelo Highland onde foi filmado o último 007, fui ver o lugar onde se encontram um dos vestígios da civilização da Idade do Bronze. Ali toquei nas pedras que a quatro mil anos atrás utilizaram nas construções. Estavam intactas pela solidez de sua matéria. Elas atravessaram o tempo conservadas na forma que esta civilização esculpiu. Imortalizam a força das criações humanas.
Assim também em Renoir: a força da alma esculpe a existência, o faz vencer, ultrapassar os próprios limites. 
Determinações insuflam fôlegos.
Escrevo esta crônica de início de 2013 em Saint Germain, no café Bonaparte, a véspera de minha ida a Londres, e como no meu propósito colocado em uma das minhas crônicas de 2012, de levar apenas o essencial, comprei hoje uma valise menor do que havia programado. Vou colocar nela o essencial para viver esta viagem.
Organize sua valise e boa viagem nos dias deste 2013 que já deu início. Afaste o acaso com o fôlego que os propósitos definidos trazem.
Renoir colocou em sua bagagem de Vida: DETERMINAÇÃO.
Algumas dicas para um “Detox Psiquico” muito em voga aqui em Paris...
- Elimine de seu vocabulário as palavras que depreciam a si.
- Resgate o flanar para exercitar o olhar o belo... (Este caminhar está na última moda por aqui) Trinta minutos por dia sem poder enquanto caminha falar e olhar o feio e sem pensar no mau.
- Aprenda uma coisa nova por semana.
- Nesta semana vá ao seu armário e retire dele o que tenha mais de um ano sem uso e doe. Abra espaço para o novo.
Por aqui os brechós começaram por esta filosofia: o que não se usa mais tem que circular. Libere...
Eu já fiz este trabalho.
Lembre-se:
Determinações insuflam fôlegos.